quinta-feira, 20 de junho de 2013

The war outside our door keeps raging on…


Poderia deitar na minha cama com fones de ouvido, ignorar meus pais, não fazer a lição de casa, arrumar um motivo pra matar minhas aulas. Mas eu não tinha mais nada disso. Não tinha meus pais para ignorar, nem um colégio para ir. A guerra destruiu tudo. Tudo, tudo o que sobrou na cidade foram escombros e pedregulhos. Uma breve memória do que um dia foi uma bela cidade, com pessoas felizes que trabalhavam todos os dias para garantir ao menos um pouco de dignidade. E a guerra levou tudo. Ela levou meus pais também, primeiro o meu pai, soldado dedicado, um dos mais apaixonados que eu já vi na minha vida. Um dos primeiros a serem levados por essa carnificina toda praticada por homens racionais. Minha mãe não demorou muito a me deixar, adoeceu assim que soube da morte do meu pai e não tínhamos mais recursos. Não poderia movê-la para um hospital competente que pudesse tratar de sua doença, tive que a observar definhando dia após dia, enquanto a cidade lá fora estava em chamas. Nem ela e nem ele tiveram velório ou enterro decentes.
Não sobrou nada da escola onde eu estudava, não sobraram nem os meus amigos. Alguns conseguiram escapar, mudar de cidade em tempo. Outros foram levados, assim como os meus pais. Eu talvez tenha tido muita sorte, mas nada me faz pensar nisso como um golpe sortudo. Me sinto fortemente castigada, sozinha. Vim parar em um abrigo para menores, enquanto lá fora a cidade se explode. A minha vontade é de correr lá e me posicionar bem no meio do fogo cruzado para ser executada de uma vez. Todos aqui não tem esperança alguma, estão todos esperando a morte. Eu, um pouco diferente deles, não estou esperando a morte. E talvez isso seja ainda pior, porque eu não estou esperando absolutamente nada.
A guerra levou tudo que eu tinha, a esperança, o sorriso, as cores, o brilho das coisas e a minha vontade de viver. Não acho justo eu ainda estar viva, não acho mérito estar. Tenho passado fome a maior parte do tempo e minha garganta seca clama por um pouco de água. Os homens responsáveis pelo abrigo são uns carrascos nojentos que olham para mim como se eu fosse uma prostituta nojenta e eu sinto nojo de mim. Não sei mais o que é um banho já faz muito tempo. A guerra levou tudo, tudo que havia de bom em mim. Quando tem comida, é preciso deixar que todas os que são mais velhos usufruam primeiro, não sobra muito para os mais novos como eu. Quando tem água, é a mesma coisa. Acho que não sei mais como é sentir uma boa golada de água gelada descendo pela minha garganta. A que chega para a gente geralmente é suja e tem gosto de barro misturado com poeira, mas não podemos reclamar.
Outro dia vi uma criança bem menor do que eu gritando à noite. Uma menina grandona costuma rodeá-la a contra-gosto e está sempre dando tapas na cabeça dela para que ela pare de chorar, mas ela não para, parece intensificar mais ainda o sofrimento daquela pequena. Mas nem me atrevo a me meter, porque sei que se eu arranjar aqui qualquer tipo de confusão por aqui, me mandam embora. Talvez fosse uma solução mais prática, arranjar uma confusão, ser chutada do abrigo e poder morrer em paz lá fora, mas fico pensando na humilhação, ter meu corpo mutilado e jogado ao mundo, saber que minhas partículas vão se decompor e se misturar ao terreno sangrento deste país. E não quero isso. Não quero morrer neste país que me tirou tudo o que eu já tive. Quero morrer em um lugar bem calmo, talvez no campo. A guerra tirou tudo de mim, esse país de porcos capitalistas nojentos. Mas a gente sempre sonha, talvez porque sonhar seja a única maneira de se manter sã nesse momento pavoroso que estamos passando.

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