quinta-feira, 20 de junho de 2013

Burlesco


Jaqueta de couro, calças apertadas e o coração trancado numa caixa sob sete chaves. Pegou o carro e saiu, já estava entardecendo. Tomava seu rumo para seu habitual e temporário destino. E não havia um sorriso de satisfação naqueles lábios. Checou o porta-objetos do carro, apenas para se certificar de que seu principal objeto de trabalho estaria ali. Aumentou o volume do som apenas para não ter de ouvir a própria consciência lhe pregando lições moralistas das quais não quis dar ouvidos quando vinham de fora. E não daria, tão pouco, estas vindo de dentro. Ainda mais de dentro de toda a podridão que ele possuía. Não tinha mais pureza sequer para ouvir a si mesmo. Procurou uma vaga no estacionamento, quando chegou, desligando o som, mas ainda ignorando seus pensamentos. Pegou seu equipamento todo do porta-objetos. O lugar possuía letras brilhantes e chamativas na entrada, mas ele entrava sempre pela porta de trás. Nunca pela frente.

Afinal, ele era a atração.

Posicionou em seu rosto a máscara preta burlesca. Com penugens negras, lembrava um cisne negro. Olhou-se no espelho com desgosto de si, mas forçou-se a sorrir. Pois havia sido presenteado com a beleza. E poderia valer-se dela enquanto fosse possível. Não era digno, mas dava pra viver mesmo assim. Ouviu batidas pesadas em seu camarim improvisado e quis responder irritado que ainda não estava pronto. Mas do contrário, respirou fundo e caminhou. Abriu a porta. Havia um homem com dez vezes mais músculos que ele sequer podia pensar em um dia ter e disse que estava na hora. O coração palpitou quando ouviu sua música do lado de fora. Sua deixa. Ajustou cuidadosamente a máscara no rosto, olhou-se no espero mais uma vez.

Abriu a gaveta com pressa e tirou dali um objeto pequeno. Sorriu, dessa vez com excitação. Posicionou diante da narina direita uma espatulazinha minúscula e inspirou o pó pra dentro. Sorriu com malícia. Olhou-se no espelho e admirou as pupilas dilatarem. Repetiu, com a narina esquerda. O homem gigante socou a porta novamente e a abriu sem permissão.

“Estou pronto.” Disse, antes que o outro pudesse sequer dizer alguma coisa.

Passo por passo, até que alcançou uma mesa comprida. Movendo-se junto da batida, juntando-se a outros rapazes que dançavam ali, mas estes estavam semi-nús. Ele era a atração ali. Movia-se com leveza e ritmo, esfregando-se nos outros rapazes ali, com repugnância que seu sorriso enganava a quem o via, jurando que ele estava aproveitando o momento. Negativo.

Dólares eram atirados para cima dele e ofertados, mas quem estava realmente sendo leiloado como uma cabeça de gado era ele. Um par de olhos castanhos lhe chamou a atenção, parou diante deste e se abaixou, seu número mais sensual. Puxou este homem pela gravata. Era um empresário. Um jovem empresário. Era diferente dos senhores de família que procuravam diversão por ali. Aquele, só pelo sorriso, parecia ser a diversão. Ele estava hipnotizado, quando deveria estar hipnotizando. O outro sorria, excitava-se com o mistério atrás daquela máscara escandalosa. Ofereceu mais dinheiro.

Foi puxado pra mais perto. Havia entendido que língua falava aquela atração.

“Com quem eu preciso negociar?” Disse firme e seguro. O outro foi quem vacilou. Mas não disse nada. Fazia parte do contrato. Não podia falar. Não podia fazer nada fora do quarto.

O chamou com os dedos para perto do balcão. Aquele homem gigante que parecia surgir apenas nos momentos mais oportunos veio sorridente. Estava prestes a vender seu gado para o abate, sem piedade alguma. Mas pela primeira vez o seu gado estava excitado pelo resultado. Dava pra ver.

O jovem empresário porém o puxou para longe dali. Iria negociar.

Demorou mais ou menos meia-hora e eles voltaram. O grandão parecia mais feliz do que nunca. E o mais jovem, também.

“Você tem apenas 24 horas.” Advertiu. “Desça. Você vai com esse homem.” Disse com mais hostilidade ao seu servo mascarado que obedeceu submisso. Ele saltou para o outro lado e postou-se diante do homem. Ainda não podia falar. O outro porém pareceu apenas satisfeito. Caminharam até o carro do comprador, que parecia um garotinho com um novo brinquedo. Entraram no carro ainda sem proferir uma palavra sequer. Sem tirar a máscara. Sem se tocarem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Спасибо!