quinta-feira, 20 de junho de 2013

Eterno?



Dizem que cada viagem de avião que fazemos é sempre como se fosse a primeira. A sensação é sempre de excitação e sempre tem aquele frio na barriga. Eu discordo. Não sei se por eu estar sempre discordando de tudo ou apenas porque comigo, era a primeira vez em muitos anos que eu sentia esse frio na barriga. Mas não era pela decolagem, era o meu destino.

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Aproveitei os últimos instantes antes do embarque para enviar à ela a última mensagem. “Falta pouco.” Foi a única coisa que o tempo e meus dedos trêmulos foram capazes de digitar e precisei me esforçar para que ela não pensasse que eu estava bêbada ou coisa do tipo. Eu estava nervosa, mesmo que aquele não fosse o primeiro voo da minha vida era com certeza o mais apavorante de toda a minha história. Eu estava indo encontrá-la. Estava indo encontrar a minha namorada pela primeira vez. Eu queria ver a cara do meu pai se ele ainda estivesse vivo, sempre me disse para ter coragem e ir atrás dos meus sonhos. Papai sempre dizia que não há brilho maior nos olhos de alguém do que o brilho de um sonho realizado. Ele estava certo, os meus poderiam competir com a luz do sol naquele momento.

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Eu ainda conseguia me sentir do mesmo modo que havia me sentido com 17 anos, quando estava tomando o mesmo destino. Eu era apenas uma adolescente, mas eu tinha tantos sonhos guardados. Minha vida nunca foi comum, eu nunca fui uma garota convencional. E aos 17 anos estava indo encontrar o amor da minha vida em outra cidade. E o amor da minha vida era uma menina. Uma menina linda. Eu nunca esqueceria o rosto dela, nem em um milhão de anos. Com certeza o momento mais feliz da minha vida foi acordar ao lado dela. Era uma lembrança que eu gostaria de poder preservar em um frasco de memórias e poder recriá-las quantas vezes eu quisesse em cores, mesmo que em minha mente eu pudesse recriá-la todos os dias. E depois de quase 20 anos, eu estava voltando àquela cidadezinha do interior. Eu nem sabia se ela ainda morava lá, mas tudo indicava que sim. Ela sempre foi muito ligada à família e sua mãe já era bem idosa, acho que ela não a teria abandonado.

Eu sentia algo preso na minha garganta, mas eu não sabia decifrar aquele sentimento. Era algo me engasgando, mas talvez fosse apenas a emoção de estar voltando à cidade onde conheci a minha menina. Porém, a quem eu estava tentando enganar? Logo, as lágrimas que começaram a rolar pelo meu rosto sem a minha permissão, me arrastaram para outro cenário dessa história.

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O céu estava maravilhoso naquela noite. Ou talvez o céu estivesse apenas normal como qualquer outra noite, mas meus olhos enxergavam toda a beleza das coisas naquele dia. Era meu último dia na cidade, eu e minha namorada caminhávamos pela fazenda do avô dela de mãos dadas e então em um certo ponto nos jogamos embaixo de uma árvore qualquer e ficamos lá por um bom tempo contanto estrelas. Para cada estrela fazíamos um pedido em voz alta. Nunca havia feito tantos pedidos e planos em toda a minha vida. E eu acreditava neles com todas as minhas forças. Eu e ela, ali, aquele momento. Aquilo era pra ser. Era aquela a vida que eu queria, acordar todos os dias ao lado daquela princesa, fazer café pra ela antes dela acordar, trazer na cama e poder dar todo o conforto que ela merecia. E eu podia ver no brilho dos olhos dela que era o que ela queria também. Se eu poderia competir com o sol, aquela garota com certeza ganhava da lua sem nem pensar duas vezes. Ela era simplesmente perfeita. E eu jamais queria deixar aquele lugar, queria poder ficar ali com ela apenas para sempre.

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Eu acho que as pessoas eram apenas educadas demais ou mal educadas demais, porque apenas me olhavam sentada, chorando e soluçando baixinho, tentando me conter. Tamanha mulher em seus 37 anos chorando como uma garotinha com medo de escuro. Precisei esperar a compaixão da comissária, que não era nem compaixão, mas sim o seu trabalho, mas foi muito atenciosa comigo me trazendo água com açúcar para que eu pudesse me acalmar. Ela segurou a minha mão e me olhou nos olhos e disse que era comum “ter medo de voar”. E eu aos prantos, apenas consegui sorrir de maneira fraca e balançar a cabeça. Os olhos da comissária eram quase tão verdes quanto os dela.

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“Um dia nós não vamos mais precisar esperar por momentos como este.” Eu disse, enquanto entrelaçava meus dedos aos dela. Ela ficou calada e seu rosto não estava mais tão iluminado quanto antes. Algo estava errado. E talvez no fundo eu soubesse o que era, eu só não podia acreditar. Eu não podia estragar a magia daquele momento.

“Hey, o que foi?” Meus dedos levantaram o rosto dela e aqueles olhos gigantes e verdes me olharam. Estavam marejados.

“O que vai ser depois daqui?” Eu respirei fundo e preferi não responder àquela pergunta. Eu juntei os nosso lábios e nos beijamos. Ambas começamos a chorar, mas nenhuma queria terminar aquele beijo. Aquela foi a última noite da minha vida.

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Realidade é uma coisa cruel. E o mundo… Esse está aí pra devastar a vida de qualquer pessoa. Quando você acredita que construiu um castelo, um reinado e encontrou a sua princesa, lá vem o mundo real, a vida… Eles te mostram que o seu castelo era apenas um castelinho de areia na praia e a sua princesa desaparece. Desaparece como os livros que sua mãe costumava ler para você dormir. Você nunca sabe onde eles foram parar. Meu conto de fadas acabou assim como começou. Depois de dois anos, eu a vi, passamos uma semana juntas, uma semana que eu nunca vou esquecer na minha vida. Mas assim que eu voltei para a minha cidade, tudo caiu por terra. As coisas começaram a piorar e pioravam gradativamente. Eu precisei crescer e, se hoje me perguntarem, não sei mais notícia alguma daquela menina. Às vezes me pergunto se aquela semana foi um sonho ou uma projeção da minha mente, mas ela aconteceu. Ela aconteceu de verdade e assim como me dá prazer lembrar, dói quase na mesma proporção. Toda vez que me lembro, começo a sorrir e termino chorando.

Estou a caminho da mesma cidade depois de 20 anos, para resolver assuntos de negócios para a empresa em que trabalho. Sei de cor o caminho que gostaria de percorrer, talvez eu visite aquele café onde eu a beijei na frente das pessoas e a faz ficar vermelha. Ou talvez eu visite a biblioteca e pegue os mesmos livros que nós pegamos e lemos uma para a outra. Mas eu definitivamente não quero perguntar por ela. Eu sei que ela se tornou importante nessa cidade, mas não tenho a pretensão de vê-la como Senhora Fulana-De-Tal. Aqui dentro da minha cabeça, eu gosto de imaginar que ela nunca deixou de ser minha. Eu gosto de imaginar que ela não se tornou a Senhora de alguém, alguém que eu sei muito bem qual seria o tipo dela.

É por isso que nesses 20 anos, toda noite eu acordo no meio da noite e a minha esposa não entende porque saio da cama e vou para o escritório e fico conversando com a minha gata de nome estranho. Minha mulher não sabe nada do meu passado, aliás, ninguém sabe. Eu me tornei uma pessoa tão amarga depois dos meus 17 anos em diante. Eu não sei como cheguei a me casar, talvez porque encontrei um apoio em uma mulher extraordinária como é a minha mulher. Nos conhecemos na faculdade e ela mesmo sem saber a minha história me ofereceu apoio. Ela costuma me acompanhar em todas as minhas viagens e sequer perguntou porque eu não queria companhia nesta em especial. A verdade, é que eu acho que nunca estarei preparada para abrir meu passado para ela, eu prefiro manter aquela semana guardada nesse baú dentro de mim, onde só eu tenho acesso, todas as noites.

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“Você sempre vai guardar esse momento, não vai?”

“Se eu pudesse guardar até você, eu guardaria. Se eu pudesse te levar comigo…”

“Eu jamais vou me esquecer de você. Você tá cravada aqui dentro como uma tatuagem interna, nem que eu quisesse, eu não poderia apagar você.”

“Eterno, então?”

“Eterno. Apenas você e eu.”

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