sexta-feira, 21 de junho de 2013

Então tá, vamos falar sobre o Kevin!

Um dos livros que eu mais gostei de ler esse ano até o mês presente foi, definitivamente, "Precisamos Falar Sobre o Kevin" de Lionel Shriver e achei mais que válido que a minha primeira postagem envolvendo ambos os assuntos livros e filmes fosse sobre ele. O texto pode conter spoilers, por se tratar de impressões pessoais que eu tive sobre o livro e sobre o filme. 


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O LIVRO: Eva Khatchadourian nunca quis ser mãe, isso é evidente. E o que é ainda mais evidente são as consequências refletidas na personalidade de um filho indesejado. Kevin não chega a ser um desses psicopatas simpáticos, mas há algum charme na construção de seu personagem. Por alguma razão, talvez particular, ele seja um personagem que eu entendo e, assim sendo, não o definiria como um vilão. O livro em si é um retrato valioso do quão importante a decisão de ter um filho pode vir a ser na vida de um casal e que, se uma das partes não o deseja tanto, a propensão do filho vir a ter diversos distúrbios psicológicos é grande. E a chance é muito maior se a rejeição vem da mãe. Eu não colocaria, tampouco, a Eva como vilã da história, pois posso dizer que em alguns pontos até compreendo a personagem e pude até me identificar com ela. Esse não é um livro sutil, uma leitura leve. Eu imagino que para cada tipo de pessoa ele desperte uma reação, como por exemplo, uma mãe lendo esse livro ou uma moça com o desejo desde o berço de dar a luz à sua prole, certamente colocariam Eva no papel de vilã num estalar de dedos, a apontariam como culpada sem nem pensar. Vamos analisar de forma fria os fatos, psicopatas às vezes nascem dessa forma e não há nada que pode ser feito para mudá-los. Kevin jamais foi maltratado em casa, a falta de atenção da mãe era sempre preenchida pela atenção excessiva do pai, para uma criança normal seria suficiente, ele no máximo iria criar algum desprezo pela mãe. Mas é aí que está o ponto alto, Kevin sentia uma espécie de admiração pela mãe e pela honestidade dela. Eva sempre conseguiu ver o Kevin de uma forma que o Franklyn jamais conseguiu e era como se aquilo fosse um segredo mudo entre os dois. A verdade é que Kevin e Eva tinham um laço estranho um com o outro. O Kevin, no fundo, sentia pelo relapso da mãe em relação a ele. Então ele torturava a mãe como podia, colocando sempre o pai contra ela, fazendo ela parecer louca, desequilibrada ou mesmo lá atrás, desde criança, quando negava a ela os pequenos prazeres da maternidade, como se ele soubesse que estaria assim castigando-a. E durante toda a minha leitura era como se eu pudesse enxergar o tempo todo o rosto do Kevin sorrindo de maneira maldosa para a Eva, enquanto o Franklyn o defendia de mais um de seus pequenos atentados contra ela. E podia ouvir ele dizer mentalmente enquanto sorria: "Ele sequer imagina, mas você sabe, não é mesmo? Você me conhece." Era isso que a aterrorizava mais, porque ela não podia fazer nada se não esperar pelo dia que chegaria a tal notícia. O que eu penso é que ela sempre soube, é claro que sim, mas não tinha como impedir que acontecesse.

A minha nota: ★★★★★

Trecho do livro: 

"Mas andei refletindo sobre o fato de que, para a maioria de nós, há uma carreira sólida, intransponível, entre a depravação mais imaginativamente detalhada e sua execução na vida real. É a mesma sólida parede de aço que se interpõe entre uma navalha e meu pulso, mesmo quando estou no mais extremo desconsolo. Então, como foi que Kevin pôde levantar aquela balestra, apontá-la para o esterno de Laura e realmente, de verdade, no tempo e no espaço, disparar a flecha? Só posso presumir que ele tenha descoberto o que eu nunca desejo descobrir. Que não existe barreira. Que, tal como minhas viagens ao exterior ou esse plano ridículo, com trancas de bicicleta e convites em papel timbrado da escola, o próprio ato de disparar pode ser decomposto uma série de partes integrantes simples. Talvez seja tão pouco milagroso apertar o gatilho de uma balestra ou de um revólver quanto pegar um copo d‟água. Temo que passar para o “impensável” se revele tão pouco atlético quanto cruzar a soleira de um cômodo comum; e o truque é esse, se você quiser. O segredo. Como sempre, o segredo é que não existe segredo algum, Ele deve ter quase sentido vontade de rir, embora não seja esse o seu estilo; aqueles garotos de Columbine realmente riram. E, quando o sujeito descobre que não há nada para detê-lo — que a barreira, aparentemente tão intransponível, está toda na cabeça —, deve ser possível avançar e recuar na soleira repetidamente, um disparo após outro, como se um bundão que não intimida ninguém houvesse feito um risco no tapete que você não deve cruzar, e você, e gozação, pulasse por cima dele, para frente e para trás, numa dancinha zombeteira."

O FILME: Eu aprendi a julgar filmes adaptados de obras literárias de uma forma diferente da que eu fazia antes. Eu vi o filme bem antes de chegar a ler o livro e, de fato, não dá pra entender muita coisa com a profundidade que o livro oferece, mas a produção e a fotografia do filme é belíssima. E é disso que o cinema se trata, os livros nos oferecem todo um exercício mental, uma viagem pela nossa imaginação, somos livres para tornar a história que estamos lendo um pouco nossas, isso faz com que o envolvimento com os livros seja mais íntimos. O cinema já é uma arte que agrada os nossos olhos e é possível relaxar, é uma experiência bem menos cansativa que a da leitura, mas nunca menos prazerosa. A adaptação de "Precisamos Falar Sobre o Kevin" é excelente, em comparação a outras adaptações de livros que existem por aí. Eu não sou um tipo de pessoas que não consegue separar o personagem que eu vi no filme do personagem que está descrito no livro, porque muitas vezes no livro o personagem é gordo e no cinema com certeza ele vai ser magro, mas com esse livro ter visto o filme antes não me afetou pelo simples fato de que: Ezra Miller é o Kevin e Tilda Swinton é a Eva. O casting do filme não poderia ter sido mais oportuno. E o filme até conseguiu ser bem fiel ao livro, apesar do ritmo um pouco acelerado e confuso. Como o livro é escrito no formato de cartas e nessas cartas constam as memórias da Eva durante toda a infância do Kevin até o grande dia, já o filme não conta a história na visão da Eva e sim como acontecimentos desconexos no formato de lembranças. Eu digo que é confuso, porque depois que você lê o livro obviamente vai sentir falta de uma coisinha aqui e uma coisinha ali, mas o que eu me incomodei mesmo após ler, foi a "vilanização" do Kevin na adaptação, que não acontece no livro do mesmo modo que no filme. Mas fora isso, a película é tão incrível quanto o livro.

A minha nota: ★★★★☆

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